30.1.07

TENTA ME AMAR, NÃO!


TENTA ME AMAR, NÃO!
PATRÍCIA EVANS
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Tenta me amar, não, oh! poeta,
que tuas mãos são pincéis
e embora me veja papéis,
do revés sou eu assecla.
Tuas mãos, tu as teria amputado
e amor, não o teria aos teus pés.
Tenta me ter não escrevinhado
em teu verso tão então mal fadado,
não, oh, poeta! não vale a miséria
de ter a mente inutilmente torturada...
que minh' alma guarda nenhum mistério
mas te endereça a mil e um cemitérios
onde jaz devidamente enterrada.

ESTAÇÕES

ESTAÇÕES
PATRÍCIA EVANS


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Finalmente eu odeio.
" Vera é vez prima!
Rasga por fim este ventre,
a póstuma mentira.
Por entre, por dentre, pelo outono do seu seio,
finalmente diz _ "Eu odeio.".
Mágoa, este combustível que explode qualquer paixão,
que transforma amor em cão
rastejando no inverno da mais pobre aceitação.
Ora que cegos, verão, quem diria!
do extremo da afeição, amando,
ao inferno das mesquinharias,
prima Vera, odiando.
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NEUROLINGÜÍSTICA
Adélia Prado
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Quando ele me disse
ô linda,
pareces uma rainha,
fui ao cúmice do ápice
mas segurei meu desmaio.
Aos sessenta anos de idade,
vinte de casta viuvez,
quero estar bem acordada,
caso ele fale outra vez.
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"O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta."
(Adélia Prado)
Adélia Luzia Prado de Freitas é natural de Divinópolis/MG, nascida em 13/12/1935. Casada desde 1958 com José Assunção de Freitas, funcionário do Banco do Brasil S.A., tem 5 filhos: Eugênio, Rubem, Sarah, Jordano e Ana Beatriz.Adélia diz que: "Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda sua glória, se vestiu como um deles...".A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito pra essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse."Professora, começou a escrever em 1950, após a morte de sua mãe, Ana Clotilde Corrêa. Em 1973 forma-se em filosofia, um ano após a morte de seu pai, o ferroviário João do Prado Filho.Por essa época, entediada de seu próprio estilo, começa a escrever de forma torrencial, dando veios às influencias literárias recebidas das leituras de Drummond, Guimarães Rosa, Clarisse Lispector.Na opinião de Carlos Drummond de Andrade, "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis".O que mais chama a atenção na literatura produzida por Adélia Prado é a religiosidade embutida e/ou subentendida em seus textos. Ela trata e retrata as coisas do cotidiano com perplexidade, entendimento e pureza.Sua obra é atemporal, moderna, transformando em lúdico a realidade descrita, fazendo com que os fatos mais corriqueiros ganhem uma beleza poética de grande extraordinariedade.Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá."Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."Qual a contribuição de Adélia Prado para a literatura brasileira? Para a época em que sua poesia foi divulgada : a revalorização da identidade feminina, como ser pensante e ser maternal. Aqui, o grande valor desta poeta. Ou seja, Adélia conseguiu conciliar a intelectual com a mãe, esposa e dona-de-casa; ela conseguiu o equilíbrio entre o feminismo ( movimento agressivo) com o feminino (natureza intrínseca).Em seus poemas, estão muito bem colocadas as figuras masculinas ( pai, marido, filho), sem observamos sinais de conflito, fato este que não se observa nas poetas mais atuais..

PENSANDO POEMAS _ POR PATRÍCIA EVANS

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FONTE GREGA
Carlos Drummond de Andrade, "A Paixão Medida", José Olympio, 1980
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"A vida inteira mijando - lastima a deusa - e nem sobra tempo para viver. Minha linfa de ouro ao sol, inestancável, impede-me o sono, proíbe-me o amor. Não sei abrir as pernas senão para isto. Para isto fui concebida? Para derramar este jacto morno sobre a terra, e nunca me enxugar, e continuar a expeli-lo, branca e mijadoura, fonte, fonte, fonte?A deusa nem suspende veste nem arria calça. É seu destino mijar. Sem remissão, corpo indiferente e exposto, mija nos séculos"
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PENSANDO O POEMA DE DRUMMOND

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1- No que pensamos ao ler a palavra FONTE? O que é uma FONTE? Qual sua função?
2 - No que pensamos ao saber que a fonte é GREGA?
3 - Por que Drummond escolheu "FONTE GREGA" e não apenas FONTE?
4 - É possível que Drummond tenha feito referência à Tragédia Grega em seu poema?
5 - Caso Drummond tenha querido fazer menção à tragédia grega, de que forma ele o fez no poema acima?
6 - É muito claro que "mijar" signifique "jorrar"ao se tratar de uma fonte, mas o que será que a fonte de Drummond "MIJA"?
7 - Sei que a fonte grega é uma deusa. Musas são fontes de inspiração e são de "origem" grega. É possível que o poeta tenha querido dizer que a fonte "mija inspiração" ?
8 - Caso a fonte de Drummond "mije inspiração" em vez de água, o que água e inspiração têm em comum?
9 - Por que a deusa lastima?
10 - Por que a fonte questiona "para isso fui concebida"?
11 - Para Drummond nascemos para cumprir um destino imutável?
12 - É possível que ele tenha querido retratar o papel da mulher na sociedade na época das "fontes gregas" e fazer uma crítica ao fato de pouco ter mudado o papel da mulher atual?
13 - Por que a fonte "mija nos séculos"? Por que está condenada a ser inesgotável?
14 - Quer esta deusa vivenciar o amor e desamor e entretanto está condenada a apenas inspirar esta vivência?
15 - O que aconteceria se a deusa se rebelasse contra seu destino?
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CURIOSIDADES PERTINENTES
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"Em "FONTE GREGA", um Drummond anti-aristotélico faz da sua musa divina e fonte inesgotável de inspiração uma deusa da incontinência urinária; "sem remissão, corpo indiferente e exposto, mija nos séculos". A paródia de um gênero ou de um tema clássico significa quase sempre a superação do tema, o final do gênero. Drummond mantém o estilo que lhe é característico veiculando hesitação através de negações e perguntas, sem descobrir totalmente o "claro enigma": "Para isso fui concebida?", pergunta a musa incontinente não recebendo resposta."
Helmut Siepmann
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Sobre o poema Fonte Grega escreveu o poeta Adam David
"Mijando no séculos" Com prazer Ou com pesar, Sem se satisfazer Seu papel é procriar. A fonte é a vida. A água é pública "pra isso fui concebida!? Servir à república? (puta) Minha linfa é a seiva, Que inesgotável procria No jorro morno da veia Impede o sono a cria. Fonte, fonte, fonte! Mija o desamor..., Indiferente nem esconde, Que só presta favor...
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LINFA
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1Uso: formal. a água, esp. a límpida 2Rubrica: bioquímica. líquido orgânico originado do sangue, composto de proteínas e lipídios, que circula nos vasos linfáticos e transporta glóbulos brancos 3Derivação: por extensão de sentido. qualquer humor aquoso
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A Água é indispensável para a vida, pois é o conteúdo principal das células, além de funcionar como meio de transporte das enzimas e nutrientes pelo organismo. 90% do corpo de um recém nascido é formado por água. Ela participa da proteção do embrião antes do nascimento e continua em inúmeras funções por toda a vida na manutenção da temperatura do corpo, no funcionamento das glândulas, na produção da linfa do sangue e das secreções, na lubrificação das articulações, nos movimentos das vísceras, no emagrecimento, na prevenção do envelhecimento, na recuperação de doenças crônicas, na liberação de toxinas e no bom funcionamento de todos os órgãos.

"Possêidon, Deus do Mar, num ataque de fúria, secou todas as fontes de água da Grécia. Porém, encantado com a formosura de uma jovem sedenta que lhe pedia ajuda, ele mesmo, tocando seu tridente sobre uma rocha, fez nascer dali uma tripla fonte de água cristalina."
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TRAGÉDIA GREGA
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1 - A "Tragédia Grega" , por Nietzsche, por exemplo, é apresentada como a essência do pessimismo, onde se manifesta o gosto pela crueldade, o horror e a incerteza quanto ao destino. O pessimismo não significa para Nietzsche abandono, mas aparece ligado à força, à vida e ao poder.
- A decadência da tragédia grega é justificada pela influência nefasta de Sócrates-Platão que afastaram os homens da vida e os envolveram na teoria, lógica, ciência.
- Duas manifestações da doença do homem pós-Sócrates-Platão: racionalismo e individualismo.
2 - Comumente, entre nós, modernos, a palavra "tragédia" tornou-se uma aplicação costumeira para designar um acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou ainda para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redundou num horrível assassinato. Para os gregos, entretanto, tragikós era outra coisa. A tragédia definia acima de tudo uma forma artística, ou algo que somente ocorria entre os grandes. Na visão de Aristóteles, um dos primeiros a estudar o impacto dos espetáculos teatrais, a tragédia seria "uma representação imitadora de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror provoca o desencadeamento liberador de tais afetos."
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A tragédia como catarse
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Aristóteles não preocupou-se em estabelecer qualquer teoria sobre a tragédia nem concentrou-se nos aspectos técnicos do espetáculo mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a Katarsis, a catarse, isto é a purgação das emoções dos espectadores. Assistindo as terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que a vida dele se tornara, sentindo uma profunda compaixão pelo infausto que o destino reservara ao herói, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo. Atribui-se à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace.
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MUSA
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De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, trata-se da "fonte de inspiração de um poeta", "génio de um poeta" ou "mulher inspiradora". E como tudo na nossa civilização ocidental, as musas têm a sua origem nos gregos. Não há poema homérico que, na sua introdução, as dispense. Na mitologia, elas são as nove filhas de Zeus e de Mnemose (a memória) e resultam de um ardor amoroso de nove noites consecutivas: Calíope (poesia heróica e oratória), Clio (história), Euterpe (música), Mélpomene (tragédia), Talia (comédia), Terpsícore (dança), Erato (poesia lírica), Polímnia (elegia) e Urânia (astronomia). Estas nove musas protegiam as Artes, as Ciências e as Letras. Curiosamente, a palavra museu designa o templo das musas. E é nele que residem as obras resultantes da sua inspiração.
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Agora que você já leu algumas curiosidades pertinentes ao poema de Drummond, volte às perguntas propostas em "PENSANDO O POEMA DE DRUMMOND" e perceba se suas respostas ou se a sua visão do poema mudou.
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7.1.07

NOITES OCEÂNICAS
Paulo Roberto Novaes


Desliza tua língua entre meus seios,
Oportuna pedra de gelo em dia de verão
(só que quente).
Toca os meus dedos e molha suas pontas,
Como que a lamber mamilos enrijecidos
De frio ou de prazer.
Afundou na minha boca,
Navio de porão cheio de ouro,
Sem chance de resgate,
Sem razão de retorno.
Não sabendo que sou toda tua,
Me ergue no ar,
Surfista nas ondas do teu mastro,
E na tentativa, praticar o impensável,
Pra me conquistar.
E me põe num pedestal,
Me cobre de pérolas e areia estelar.
E do meu andor,
Eu me incendeio o corpo,
Envolvida em rosas
(apenas pétalas),
vulcão furioso,
explodo.
E fogo alastrando floresta
E mar,
Secando lagos,
Derreto os Pólos
E crio um novo oceano
Pra você me amar.
Sementeira das paixões,
Colhi no teu jardim
Lírios cheios de mãos
E olhos pra você me olhar...
E me tocando toda,
Me encobrindo em névoa,
Me faz delirar.
Delirando, abro minhas velas
E deixo o teu vento soprar,
Me embrenhando em conchas,
Me vestindo em algas,
Pra você me achar.
Sem saber pra onde vou,
Deixando você me levar,
Vai se perdendo assim,
Vou te encontrando,
E novamente insana,
Chegou minha vez de te naufragar.
Brota longe, a nascente,
Vem me alargando,
Um rio,
Desemboca em mim,
O afluente,
Vou te possuindo,
Vai me conduzindo,
Este desejo e tanta água
Não cabem num só mar.
E volitando sobre tuas águas,
Vou te abençoando,
E você me bendizendo,
Nas tuas marés
Vou aspergindo óleo,
Vai me abrasando
Com teu sussurrar.
Clandestina no teu barco,
Sou pirata do teu coração.
Rosa dos teus ventos,
Flor dos teus lamentos,
Vento sudoeste da tua solidão.
Vou sentada em tua proa,
Deitada no convés,
Me banhando em maresia
E sol.
E na noite estrelada,
Bússola a aportar no norte,
Sou teu destino sem o cais,
Peixe que fugiu do anzol.
E me espraiando enfim,
Tomando do teu vinho,
Teu cálice em mim,
Na taça rubra da noite,
Vou procurar abrigo
Nas rédeas do amanhecer.
E quase desmaiada,
No suor da tua enchente,
Teu farol já apagado,
Afogada em teu sangue quente,
Minha vela ainda queima.
Incensário aguardando incenso,
Te amei no tempo do tempo noturno
de você me amar.