10.12.06

FÉRIAS

FÉRIAS
Patrícia Evans
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Alguém viu você
quando dobrou a esquina
e sem saber pra onde ia
entrou no carro e seguiu?
.
Alguém viu?
.
Alguém viu você esperando
colocarem gasolina no tanque,
estancar com pano sujo o sangue,
que saía do porta malas?
.
Sangue de grife, de marca?
.
Alguém viu no reflexo torto
do espelho, o seu rosto
pálido _ enquanto os pneus ralos
esmagavam os pardais?
.
Quem mais?
.
Você guiando em última marcha,
sequer apreciando as paragens
e eu voluntariamente amassada
junto à baderna de suas bagagens.
.
Era sangue de grife,
era sangue de marca!
.
.
.
CAMINHO CIGANO (ACRÓSTICO)

Paulo Roberto Novaes

(Para Patrícia Evans)


Pneus derrapam em palavras
Angelicais e asfalto molhado:
Toda brasa é fogo que pode reanimar-se.
Ruínas de sombrios castelos habitam nossos corações-
Inquisição que te quero longe de mim.
Calaram-se rotação e translação terrestres;
Início e fim encontram-se no durante.
Acenda o seu farol de milha e atropele-se!

E você não sabe se não se afoga em seu gesto...
Veja a chuva alagando seus pensamentos.
A postura de uma fera distraída - vigie-a!
Na claridade e na sombra, seu olhar é a sentinela de
Sua Alma, sonhadora e cigana.
MENDIGO DA POESIA
Paulo Roberto Novaes


Estou sem ar,
Sem chão.
Sem pés
(para poder voar).
Sem teto
(para ser livre).
Surpreso,
Mas nada tão assim.
Estou música
Nas cordas da
Tua harpa.
Estou mudo,
Sentido,
Porém sem mágoas.
Sou menino que se perdeu
Para encontrar-se
Com a encruzilhada.
Sou vento ardendo
Nas choças.
Fogaréu molhando
As roças -
Martírios.
Sou homem sério,
Calejado,
Mas nunca bruto.
Pincelo nas linhas
Móveis –
Psicografia.
Luto.
Cabe a você o saber
Por que.
Visto-me de branco.
Fogo.
E paz.
Perdi a hora do trem.
Encontrei navio
No cais.
Sou pétala rubra,
Caída,
No chão do teu jardim.
Teu não.
Teu sim?
Talvez.
Sou gesso.
Esculpido marfim.
Madeira calada,
Que emudece nunca.
Coloridos borrões,
De guache,
Telas.
Quebrantos, mazelas.
Pranto.
Sou mar.
Da maresia amante.
Água parada,
Da chuva.
Melada.
Doce.
Praias desnudas,
De areia corpo.
Velas.
Flores.
Promessas.
Dezembro.
Fevereiros,
Amores.
Carnaval.
O vinho,
O sangue.
O lodo,
O mangue.
O pântano.
O sol,
O sal.
Sou tudo
O que desejo ser.
Sou magia.
Branca,
Vermelha,
Negra.
O bem e o mal.
Se bobear,
sou Maria,
Com orgulho
e prazer.
Sou giz.
Aniz.
Joelho na escadaria
E matriz.
Fantasma estampado
No breu.
Ateu.
Poeta,
Plebeu.
Teu.
E de mais ninguém.
Clown, mágico,
Trágico.
Esse não sou eu.
Porque não sou.
Alguém.
Amém.
Sou poeira das ruas,
Folhas secas nas praças.
Das V.M.’s da vida,
Prostitutas seminuas.
Sou caca das traças.
Vivo sob baratos calçados,
Sempre enfermo.
Por isso,
vou a todo lado.
O cascalho,
no asfalto quente,
Me fez assim.
Terreno.
Carente.
Sou rio,
De mim afluente.
Além,
Mas logo ali.
Te quero.
Abraços.
Amassos.
Cansaços.
Proezas.
Impetuosa
Musa,
Que abusa
Da gentileza.
Sou toda tua.
Te amo.
Poesia crua.
E ninguém mais.
(Nua).
Perdida,
À toa.
Nos mares do norte,
Da vida.
Na proa.
Agora,
Com tua licença,
Perdoa (a mim),
Que me vou,
Que se foi...
Bailar sobre a rosa
Dos ventos,
Fuçar,
mal cheiroso,
canis de sarnentos.
Que é lá que eu vivo,
Que é lá que eu como
E bebo.
E que busco abrigo,
Das pragas,
Do final dos tempos.
Porque sou eu quem
Esmola o pão,
E recebe na cara
O tapa, o desalento.
Esboçado em tua face,
Um gargalhar,
O frio das madrugadas
E o teu lamento.
(Mas nunca o teu olhar).

Poesia,
Aonde me foste levar?
TEUS CABELOS

Paulo Roberto Novaes

Teus cabelos estão por toda parte.
No vento, pela casa, ao relento...
No chão do banheiro, na toalha ainda úmida,
Nos lençóis, emaranhados.
Teus cabelos ficaram em mim
E confundiram-se com os meus.
Mas os teus são lisos e os meus são crespos.
Os teus voam do ar ao menor movimento,
E eu fico observando onde vão pousar.
Teus cabelos estão por toda parte.
Na cozinha, sobre o fogão, dentro de um copo
Que você usou...
Na sala, estão em todo o sofá,
Fizeram-se enfeites na árvore de natal.
Teus cabelos estão por toda parte quase.
Menos no quarto.
Por que será?
Teus cabelos estão todos aqui,
Parece.
Mas e você, sem teus cabelos,
Onde está?