31.3.07

POEMA-BOMBA

POEMA-BOMBA
(Patricia Evans)

Um dia,
vou conseguir escrever
um poema-serra,
que lhe ampute os dedos,
que eles não servem
pra me escrever
cartas de amor.

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ABSTINÊNCIA

ABSTINÊNCIA
(Patricia Evans)

Eu,
premeditadamente,
o acostumei ao meu amor
com doses diárias e intensas
de paixão, encantamento,
beleza e mágico caos,
para que um dia
pudesse matá-lo,
como morre um viciado;
em dor.

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LUTO

LUTO
(Patricia Evans)

Cai a tarde,
não feito um viaduto,
mas feito esposa de condenado,
que veste luto pesado
debaixo de um calor puto,
(um calor que é outro carrasco)
"avec" nenhuma "elegance".
A minha tarde cai,
feito caem as tardes sem romance.

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LÁGRIMA

LÁGRIMA
(Patricia Evans)

Toma!
Leva o cálice sagrado.
Sorve esta última gota,
que nunca mais um orgasmo
tirado com tua boca.
Leva este pedaço de mim,
que corta a faca que me encostas;
é o único souvenir,
que restará da esperança morta,
quando eu der as costas a rir
e tu ouvires o bater da porta
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INCONDICIONAL

INCONDICIONAL
(Patrícia Evans)

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Amo os gatos mais que os cães,
porque não dão trabalho
suas personalidades distantes
e amo os cães mais que os ratos,
porque me dá conforto
saber que zelam por mim.
Os ratos mais que os pássaros,
que eles não repetem canções,
como disco de vinil arranhado
e, claro! alimentam meus gatos
e os pássaros mais que os peixes,
que limpam as tantas migalhas
deixadas de tantos banquetes.
Amo os peixes mais que os insetos,
porque estão nunca por perto,
porque quando estão, estão mortos
e posso lhes chupar os olhos.
Os insetos mais que os vermes,
porque tão pouco se arrastam,
porque muito menos se alastram
em frente ao meu pesticida
e acima de todos amo os parasitas,
porque são a grande esperança,
para meu amor egoísta.

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PROMESSA

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PROMESSA
(Patrícia Evans)
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Vou te amar,
não como Ulisses amou Penélope,
Romeu, Julieta.
Jamais um amor de Otelo
ou Orfeu,
porém, nada menos incisivo;
vou te amar como Narciso.
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30.3.07

_Charles Bukowski_
(versão de Manuel A. Domingos)
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Eu vejo-te beber numa fonte com minúsculas
mãos azuis, não, as tuas mãos não são minúsculas
são pequenas, e a fonte é em França
donde tu me escreveste aquela última carta
e que eu respondi e nunca mais soube nada de ti.
Tu costumavas escrever poemas sem sentido sobre
ANJOS E DEUS, todos em maiúsculas, e tu
conhecias artistas famosos e a grande parte deles
eram teus amantes, e eu escrevi-te de novo, tudo está bem
continua, entra nas suas vidas, eu não sou ciumento
pois nunca nos conhecemos.
Estivemos perto um do outro em
Nova Orleãns, pouco tempo, mas nunca nos conhecemos, nunca
nos tocamos, e tu continuaste com os famosos e escreveste
sobre os famosos, e, claro, aquilo que descobriste
é que os famosos estão é preocupados
com a sua fama – não com a jovem e bela rapariga que está
na cama com eles, que lhes dá aquilo, e depois acorda
de manhã para escrever em maiúsculas poemas sobreANJOS E DEUS.
Nós sabemos que Deus está morto, eles
disseram-nos, mas ao ouvir-te deixei de ter certeza. Talvez
fossem as maiúsculas.
Tu eras uma das melhores
poetas femininas e eu disse aos editores, “ela, publiquem-na,
ela é louca mas é mágica.
“Nenhuma mentira no seu fogo”.
Eu amo-te como um homem ama uma mulher que nunca tocou,
que só lhe escreve, e guarda dela poucas fotografias.
Eu teria te
amado mais se tivesse sentado num pequeno quarto
a enrolar um cigarro e a ouvir-te mijar no quarto-de-banho,
mas isso nunca aconteceu. As tuas cartas ficaram cada vez mais tristes.
Os teus amantes traíram-te. Rapariga, escrevi mais tarde, todos
os amantes traem. Mas isso não ajudou. Tu disseste
que tinhas um banco onde ias chorar e era junto a uma ponte e
essa ponte era sobre um rio e tu sentavas-te lá todas as noites
e choravas por todos os amantes que te tinham magoado
e esquecido. Eu escrevi-te de novo mas nunca
obtive resposta. Um amigo escreveu-me e contou-medo teu suicídio, 3 ou 4 meses depois de acontecer. Se eu te tivesse
conhecido provavelmente seria injusto contigo
e tu comigo. Foi melhor assim.
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An Almost Made Up Poem - Charles Bukowski

I see you drinking at a fountain with tiny
blue hands, no, your hands are not tiny
they are small, and the fountain is in France
where you wrote me that last letter and
I answered and never heard from you again.
you used to write insane poems about
ANGELS AND GOD, all in upper case, and you
knew famous artists and most of them
were your lovers, and I wrote back, it’ all right,
go ahead, enter their lives, I’ not jealous
because we’ never met. we got close once in
New Orleans, one half block, but never met, never
touched. so you went with the famous and wrote
about the famous, and, of course, what you found out
is that the famous are worried about
their fame –– not the beautiful young girl in bed
with them, who gives them that, and then awakens
in the morning to write upper case poems about
ANGELS AND GOD. we know God is dead, they’ told
us, but listening to you I wasn’ sure. maybe
it was the upper case. you were one of the
best female poets and I told the publishers,
editors, “ her, print her, she’ mad but she’
magic. there’ no lie in her fire.” I loved you
like a man loves a woman he never touches, only
writes to, keeps little photographs of. I would have
loved you more if I had sat in a small room rolling a
cigarette and listened to you piss in the bathroom,
but that didn’ happen. your letters got sadder.
your lovers betrayed you. kid, I wrote back, all
lovers betray. it didn’ help. you said
you had a crying bench and it was by a bridge and
the bridge was over a river and you sat on the crying
bench every night and wept for the lovers who had
hurt and forgotten you. I wrote back but never
heard again. a friend wrote me of your suicide
3 or 4 months after it happened. if I had met you
I would probably have been unfair to you or you
to me. it was best like this.
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Charles Bukowski (1920-1994) poeta, contista e novelista. O seu aspecto literário obsceno imprimia uma sentimentalidade gélica e profunda. Nascido na Alemanha, filho de um soldado americano. Bukowski começou a escrever poesias aos 15 anos mas, o seu primeiro livro somente foi publicado 20 anos depois em 1955. Em 1962 estreou-se na prosa .Escreveu, entre outros livros, "Hollywood", "A mulher mais linda da cidade", "Mulheres", "A Sul de Nenhum Norte". É o paradigma do poeta decadente e aventureiro com especial queda para o álcool e para as mulheres que habitava um certo "underground" norte-americano nas décadas de 70 e 80. Não estando no nível "beatnik" e algo romântico de Jack Kerouak, onde as drogas e as experiências limites eram descritas como uma espécie de viagem necessária para a educação de uma nova geração liberal dos anos 60, Bukowski é basicamente um bêbado que gosta de sexo e usa a escrita para engatar gajas.

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CONTRACEPTIVO

CONTRACEPTIVO
(Patrícia Evans)
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Deve saber fazê-lo com cada célula
e também com cada parte sublime, etérea.
Do contrário, se for só caralho,
melhor a minha mão, estéril.
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PERDÃO


PERDÃO
(Patrícia Evans)
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Calada da noite.
Erro em lapso de razão.
Eis-me ferida.
Cravou-me no peito a estaca;
recompensa da palavra com sentido.
Era só o sentido da palavra!
Levou minha verborragia a ferro e faca
quando eu só articulava paixão...
Bem, perdão.
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O PIOR CEGO

O PIOR CEGO
(Patrícia Evans)
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Qualquer um, míope
ou astigmático, veria
através dos olhos dela
hiperbolicamente esperançados
agora em desespero estrábico,
que nada mais havia certo nela
senão a catarata em escolho
d'um amor de olhos limpos,
hipermétrope, natimorto
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